Como esse sintoma humano se manifesta nos cães
Ansiedade de separação é um problema grave, que afeta uma grande maioria dos cães domésticos, principalmente em centros urbanos. A vida moderna modificou significativamente a rotina de nós humanos, criando um senso de urgência quase que emergencial para tudo, transformando nossa interação social numa jornada caótica e frágil. Hoje dedicamos o dobro do tempo ao trabalho, à tecnologia, à conflitos filosóficos e diferenças de opinião, e acabamos esquecendo de nutrir e equilibrar nosso lado racional e emocional de forma correta. Esquecemos que somos uma espécie feita para conviver em grupos e acabamos criando universos individualistas que nos isolam do mundo real.
A falta de interação social para humanos, causa uma carência imensurável, e faz com que nos tornemos seres incompletos, intolerantes e incapazes de racionalizar e entender como lidar com o outro. Tudo isso cria um acúmulo de necessidades que acaba justificando o incrível aumento do número de animais de estimação nas últimas décadas. Com a diminuição da formação de novas famílias, os animais de estimação acabaram surgindo como opção para canalizar essa necessidade afetiva, e se transformaram no alvo de toda nossa emoção e carência.
As relações afetivas humanas apresentam desafios, e para terem sucesso precisam de equilíbrio, de compreensão e cooperação de ambos os lados. Quando nós humanos, em nosso estado de carência maior, optamos por uma relação afetiva unilateral com cães, criamos uma expectativa fantasiosa de preenchimento e amor que tem consequências graves. Vejam que é nesse momento que os problemas de comportamento dos cães surgem. Os cães, apesar de terem uma enorme habilidade de adaptação, são outra espécie, que naturalmente não tem esses sintomas e traços de fragilidade emocional como nós humanos temos.
Para nós humanos, a fraqueza emocional desencadeia compaixão, necessidade de acolhimento e conforto. Já para os cães, fraqueza representa riscos, que podem custar a sobrevivência geral do grupo. Vejam que humanos e cães, como espécies diferentes, apesar de viverem em grupos, tem perspectivas diferentes no que diz respeito à sobrevivência e isso fica muito claro quando unimos um humano emocionalmente frágil, com um cão que busca o inverso disso.
Mas como tudo isso explica a ansiedade de separação em cães? A resposta é simples: humanos guiados pela emoção fragilizada tendem a ser mais permissivos, tendem a justificar erros e falhas com estórias tristes, tendem a ver regras e disciplina com maus olhos, acreditam que liberdade de escolha é amor, e confundem de forma consciente ou não comportamentos invasivos e às vezes negativos com carinho e afeto. Tudo isso acontece por que o humano em questão, enxerga no cão, os seus próprios sentimentos, sua carência, suas necessidades e seus medos.
Essa atitude cria nos cães uma inabilidade de lidar com espaço, com distância e com falta de engajamento físico. Esses são os cães que seguem os donos até o banheiro, dormem na cama, sentam em cima do dono no sofá e não lidam bem com a aproximação de pessoas estranhas. Esse tipo de comportamento em cães nada tem a ver com amor, mas sim mostra que o cão enxerga o humano como alguém tão frágil que é incapaz de estar só em momento algum. Além disso, de acordo com o grau de fragilidade emocional, o cão pode passar a ver o humano como um recurso que precisa ser guardado, o que gera o comportamento territorial, que acaba sendo uma consequência da ansiedade de separação.
Para os cães essa é uma convivência extremamente tóxica, que gera instabilidade e acaba isolando o cão do universo social. Esses cães acabam vivendo num mundo fechado, sem acesso à pessoas, outros cães e lugares diferentes, simplesmente porque ficaram presos num convívio regido por emoções.
Para mudar esse cenário é preciso trabalhar no humano, na fonte do problema em si. Cães com essas características, quando colocados em cenários diferentes, sob custodia de outras pessoas com posturas diferentes, tendem a mudar radicalmente e voltar ao seu estado normal, por isso a solução é trabalhar com a família. Se seu cão tem esses problemas, busque ajuda, primordialmente para você. Cães precisam de humanos fortes, seguros, capazes de tomar decisões, das mais simples às mais desafiadoras. Cães precisam de regras, de disciplina, de alguém que mostre como o universo funciona, de alguém que mostre como lidar com os estímulos, distrações e elementos do mundo urbano de forma justa. Cães não devem ser nossos salvadores, nossa válvula de escape ou justificativa para não conviver com outros humanos, pelo contrário. Cães devem ser uma oportunidade de cresceremos e evoluirmos como seres humanos, devem ser nossa chance de mostrar nosso potencial, nossas habilidades como lideres e uma porta de abertura para um mundo mais harmônico.
Se você se viu de alguma forma nesse texto, busque ajuda e tenha certeza que outros humanos poderão abrir essa porta de esclarecimento para que você aprenda a ser um ser humano melhor para o seu cão.
Raquel Petersen
https://www.educacaocanina.org/artigos/2017/9/18/ansiedade-de-separacao